Intolerância Religiosa


Intolerância Religiosa – Caso Kayllane Campos


Este texto é baseado na minha monografia, apresentada em 2017, para obtenção do
título de especialista em Psicologia Junguiana ( IJEP/FACIS ).

Na visão de Carl Gustav Jung, tudo tem uma explicação, um simbolismo que nos une ao
mundo. O próprio tema desta monografia veio de encontro a uma indignação pessoal.
Indignação é a minha motivação pessoal, pois tive a oportunidade de conhecer vários
templos religiosos, na Europa, e observar a história desses conflitos.

O exemplo de intolerância religiosa abordado neste texto é o caso de Kayllane Campos,
uma menina de 11 anos (2015, RJ) que, ao sair de um culto de Candomblé foi vítima de
preconceito religioso e agredida a pedradas por dois homens da religião evangélica.

Esses homens, visivelmente alterados, ostentavam a Bíblia e gritavam frases do tipo: “É
o Diabo; vá para o inferno; Jesus está voltando”. A menina foi atingida na cabeça e
sangrando muito, foi socorrida por familiares e amigos, custando-lhe vários pontos. O
caso foi registrado como lesão corporal, prática e incitação de preconceito religioso.

À luz da Psicologia de Carl Gustav Jung, vamos analisar os motivos da intolerância
religiosa sofrida por Kayllane e as consequências dessa intolerância para a humanidade.

O fenômeno religioso e a espiritualidade são temas importantíssimos na obra de Jung.
Em toda sua obra, visa analisar a relação do homem com a religião. Para Jung, o homem
é um ser Homo Religiosus, onde mente e corpo são partes de um todo inseparável.

Segundo Jung, a religião é uma das expressões mais antigas e universais da alma
humana, é uma atitude instintiva (Arquétipo) com o objetivo de manter o equilíbrio
psíquico. Quanto mais equilibrado, mais facilidade para julgamentos e tomadas de
decisão. Somente uma pessoa equilibrada, refugiada em Deus, consegue fazer
resistência à massa organizada da sociedade.

O homem precisa ter uma visão metafísica do sentido da sua vida. Saber que sua vida
não é determinada unicamente pelo ego ou fatores sociais, mas também por uma
autoridade transcendente. Sem isso, ele perde sua identidade e passa a ser mais um
número social, aparece em massa e é dissolvido na multidão.

A sociedade moderna, materialista, no modelo de Estado ditatorial, afasta o homem da
espiritualidade. Quando a função religiosa é deslocada e falsificada, dando origem à
dúvidas, surge o fanatismo.

O desligamento religioso é a causa das enfermidades. A religião é o esteio da saúde
psíquica, com seus símbolos, transforma energia que estava parada em energia
produtiva, criativa.

Como isso funciona na nossa psique?
A psique é um sistema energético, está em incessante dinamismo, correntes de energia
cruzam-se continuamente, com tensões diferentes e polos opostos. A inter-relação
dessas forças antagônicas promove a autorregulação do equilíbrio psíquico.

A energia precisa fluir livremente. Quando estagnada, represada, tem seus reflexos do
corpo (doenças) e nas relações sociais. Para Jung “o segredo do desenvolvimento
cultural é a mobilidade e a capacidade de deslocamento da energia psíquica”.

Essa energia que rejeitamos, reprimimos, impedindo o seu fluxo, se torna um acúmulo
de energia que, mais cedo ou mais tarde, vem a nos incomodar. Essa energia represada é
a Sombra (Arquétipo) que pode ser pessoal ou coletiva, energia que não encontrou
aceitação no mundo externo. Toda Sombra reprimida é projetada no outro. Para termos
equilíbrio é preciso integrar a Sombra e não reprimi-la. O bom uso dessas energias
opostas nos possibilita uma maior integração e equilíbrio para a nossa adaptação ao
meio ambiente.

Toda Sombra rejeitada é projetada em outra pessoa, num bode expiatório. O Mal está
sempre no outro, é uma forma de criar identidade, ou seja, eu sou o que sou porque não
sou o outro.

A menina Kayllane representou o “bode expiatório” dos dois homens evangélicos. Ela
foi vítima de vários preconceitos da nossa cultura (Religião, raça, gênero), ou seja, a
Sombra projetada sobre a menina foi de caráter coletivo. O Mal da cultura brasileira foi
personificado em Kayllane. A reação violenta também foi de caráter arquetípico, o
apedrejamento. Quer coisa mais antiga que o apedrejamento?

Concluindo:

O homem moderno, afastado da espiritualidade, sem sentido de vida, sem perspectiva,
questiona seu futuro e reage de modo violento. Negligenciando suas possibilidades, o
homem diminui sua capacidade de reflexão e julgamento e se submete à manipulação
externa, dando chance de vir à tona suas Sombras. Pessoas com a mesma Sombra se
unem e formam verdadeiras quadrilhas, segundo Byington.

As religiões muito rígidas, como as pentecostais, tendem a reprimir suas Sombras. A
energia represada volta com força total e gera o conflito.
O equilíbrio psíquico se dá quando temos um vínculo estreito com o Sagrado. Quando
buscamos um sentido para a nossa vida e só encontramos quando temos um ponto de
referência fora do exterior. O homem moderno, materialista, está focando mais na sua
consciência e se afastando do homem integral, negligenciando o inconsciente e
consequentemente o homem interior, divinizado.

Aparentemente contraditório, acreditamos que a solução para os conflitos religiosos,
está na própria religiosidade. O Ser religioso, independente desta ou daquela religião,
atinge o equilíbrio necessário, o autoconhecimento. Quanto mais nos conhecemos, mais
domínio temos dos nossos complexos e mais possibilidades temos de integração e
utilização dessas energias.

Segundo Jung, a falta de compreensão das projeções compromete o amor pelos outros
homens: ”onde acaba o amor, tem início o poder, a violência e o terror”.

Temos a necessidade de procurar o sentido da nossa vida, nossa religião e nosso
equilíbrio para não sermos conduzidos pela massa e nos isentar da responsabilidade de
uma sociedade mais justa. O valor de uma sociedade depende da estatura moral e
espiritual dos indivíduos que a compõem.

A religião, com seu poder extra mundo, age como um contrapeso para o mundo e sua
razão .Para enfrentarmos o desafio do Mal no mundo cada um de nós precisa assumir
sua responsabilidade em termos individuais.

Kayllane Campos e sua família representam um bonito exemplo de integração, respeito
e possibilidade de um mundo melhor, pois cada membro de sua família tem uma
religião diferente: sua mãe é evangélica (era candomblecista), sua avó é candomblecista,
seu avô é católico e vivem em plena harmonia.

O caso Kayllane Campos, típico exemplo de intolerância religiosa que acontece no
Brasil e no mundo, foi representado aqui neste trabalho com todo o respeito que temos
ao ser humano e todo o respeito e amor que temos por Jung.

Sandra Cardozo
Psicóloga – CRP 6/11383
Especialista em Psicologia Junguiana ( IJEP/FACIS )
(11) 99667-7453

Referências Bibliográficas:
JUNG, Carl Gustav – Psicologia e Religião. 11.ed Petrópolis: Vozes – 2012
JUNG, Carl Gustav – Presente e Futuro. 8.ed Petrópolis: Vozes – 2013
JUNG, Carl Gustav – Energia Psíquica. Petrópolis: Vozes – 2002 Digital Source
ZWEIG, Connie e ABRAMS, Jeremiah (orgs) – Ao Encontro da Sombra. São Paulo:
Cultrix – 2011 Digital Source
BYINGTON, Carlos – Sombra Coletiva. Palestra disponibilizada em 23.02.2016 em
www.live.congressojungterapias.com Acesso em 23.02.2016

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